Câmara aprova urgência para projeto que equipara aborto de gestação a homicídio
- Quando a gestante provoca o aborto em si mesma ou consente que outra pessoa o faça, a pena passa a ser de 6 a 20 anos de prisão, em contraste com a atual sentença de 1 a 3 anos.
- Se o aborto é causado por terceiro, com ou sem consentimento da gestante, a pena para quem realiza o procedimento com consentimento passa de 1 a 4 anos para 6 a 20 anos, equiparando-se à pena para quem executa o aborto sem consentimento, atualmente fixada em 3 a 10 anos.
O projeto também modifica o artigo que enumera os casos em que o aborto é legal. De acordo com a proposta, somente mulheres com gestação até a 22ª semana poderão realizar o procedimento. Após esse período, mesmo em casos de estupro, a prática será considerada crime. É importante lembrar que a legislação brasileira não estipula um prazo máximo para interromper a gravidez de forma legal.
Debate sobre o aborto
Em abril, o Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu, de acordo com especialistas consultados pelo g1, uma nova restrição para as vítimas de estupro que buscam o aborto legal. A entidade emitiu uma norma proibindo médicos de realizarem a assistolia fetal em "casos de aborto previsto em lei oriundos de estupro".
Embora a norma tenha sido suspensa pela Justiça Federal em Porto Alegre, voltou a vigorar no final de abril, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região anulou a liminar anterior.
Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes suspendeu a resolução. Na sua decisão, Moraes argumentou que há indícios de que a edição da resolução ultrapassou os limites da legislação. A determinação do ministro será submetida a referendo em julgamento no plenário virtual a partir de 31 de maio.
➡️ A assistolia fetal envolve a injeção de substâncias que induzem à parada dos batimentos cardíacos do feto antes de ser removido do útero da mulher. Esse procedimento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos de aborto legal após 22 semanas.
➡️ Se o procedimento é realizado antes das 22 semanas, o Ministério da Saúde orienta que o profissional ofereça à mulher a opção de escolha da técnica a ser utilizada: abortamento farmacológico (induzido por medicamentos), procedimentos aspirativos (como a aspiração manual intrauterina) ou dilatação seguida de curetagem.
No entanto, a resolução do CFM vai contra o que estabelece a legislação brasileira, que não fixa um prazo máximo para interromper a gravidez de forma legal.
Para Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, "o CFM está indo na contramão da garantia da qualidade do atendimento obstétrico no Brasil".
Aborto previsto em lei
O aborto é considerado crime no Brasil, mas há três situações em que é permitido. São elas:
- Anencefalia fetal, que se refere à má formação do cérebro do feto.
- Gravidez que coloca em risco a vida da gestante.
- Gravidez resultante de estupro.
Para os casos de gravidez de risco e anencefalia, é necessário apresentar um laudo médico que confirme a situação. Além disso, pode ser solicitado um exame de ultrassonografia que diagnostique a anencefalia.
Já para os casos de gravidez decorrente de violência sexual, a mulher não precisa apresentar Boletim de Ocorrência ou qualquer exame que prove o crime. Basta o relato da vítima à equipe médica.
Embora pareça simples, não é. Mesmo sem a necessidade de "comprovação" da violência sexual, muitas mulheres (e meninas) enfrentam discriminação nos serviços de saúde ao buscar o aborto legal.
"Há muitos questionamentos quando a mulher relata ter sido vítima de violência sexual. A legislação não exige que seja feito o registro de ocorrência, apenas seguir um protocolo no serviço de saúde. No entanto, muitas mulheres sofrem discriminação ao exercer esse direito, têm sua palavra desconsiderada, tanto nos serviços de saúde quanto nas delegacias", afirma Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Quando se estabelece uma "data limite" para que as vítimas de violência sexual busquem o aborto previsto em lei, todas as questões envolvidas na tomada de decisão são desconsideradas.
"Há um longo caminho para quem atende essas pessoas que buscam o aborto legal, pois meninas e jovens adolescentes levam mais tempo para acessar o serviço. Muitas delas ainda não tiveram a primeira menstruação, não compreendem que foram vítimas de violência, não têm acesso à informação. Além de enfrentarem a violência, ainda correm risco de vida ao continuarem com a gravidez", diz Flávia Nascimento.
Quanto mais avançada a gestação de uma menina, maior o risco para a saúde da mãe (e, nesse caso, já estão presentes duas situações previstas em lei: o estupro e o risco à vida da gestante).
Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), destaca que as vítimas de estupro não esperam ultrapassar as 22 semanas de gestação por "capricho". Existem diversos motivos que podem levar a essa busca tardia.
"70% dos casos de estupro de meninas no Brasil ocorrem dentro de casa, com agressores conhecidos ou até familiares. A família demora para descobrir e, quando descobre, fica em dúvida se denuncia ou não. Então o tempo passa, não há um serviço próximo, é necessário viajar, mas não há recursos para arcar. São inúmeras barreiras", relata.
Descriminalização do aborto no Brasil
O aborto é considerado crime no Brasil, e tanto a mãe quanto outros envolvidos no procedimento podem ser processados.
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar ação para descriminalizar o aborto realizado por mulheres com até 12 semanas de gestação. A ministra Rosa Weber era a relatora do processo e registrou seu voto a favor da descriminalização. Entretanto, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, solicitou destaque no julgamento, suspendendo a votação.
Em fevereiro, Barroso declarou em entrevista que o STF não irá julgar a ação neste momento. Para ele, neste momento, não cabe ao Supremo decidir sobre uma prática que é rejeitada pela maioria da população e também pelo Congresso.
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